domingo, 22 de janeiro de 2012

A IGREJA DOMÉSTICA


O Concílio Vaticano II nos ensina que “a família possui também a vocação de proclamar em alta voz, tanto o Reino de Deus no presente, como a esperança da vida eterna” (“Lumen Gentium”, nº11). Para atender a esse imperativo, alguns fatores merecem especial cuidado.
A preparação do matrimônio não se limita ao casamento em si: abre perspectivas a uma vida conforme os ditames evangélicos e fundamentada em um lar cristão.
A celebração litúrgica se vincula a uma atitude interna, devidamente cultivada. A festiva manifestação externa, adaptada às diretrizes pastorais, tem os ensinamentos sobre a justiça social em seu devido lugar. Eles se opõem aos gastos inúteis e ostentações ofensivas à miséria do próximo. É evidente que não deve se transformar um ato religioso em acontecimento meramente profano. Caso contrário, seria levar a reboque da vaidade aquilo que é sagrado. O divino não pode ser instrumentalizado.
Os movimentos apostólicos que se ocupam da família são valiosos instrumentos de ação pastoral. Com recíproco apoio, os casais fortalecem os princípios básicos desse sacramento: uma comunhão de amor e fé que influencia o ambiente doméstico. Nada tão próximo aos cônjuges e à prole que a determinação evangélica: “Que vos ameis uns aos outros” (Jo 13,34). Embora válida para todos, é ali, no recesso do lar, que deve ser aprendida vivencialmente, para que possa alterar o quadro de um possível egoísmo selvagem, com suas funestas consequências para a sociedade.
A eficácia das associações de espiritualidade conjugal está condicionada a uma crescente comunhão com a paróquia e a diocese. Quando se isolam, a pretexto de maior aproveitamento religioso de seus membros, começa a esterilizar-se seu profícuo labor. Cabe ainda uma advertência: dar um lugar proeminente à construção da comunidade humana, com precípuo objetivo, é deixar Deus em um plano secundário. Fácil prever os resultados.
A Família é chamada, no Concílio Ecumênico Vaticano II, de “Igreja doméstica”. E no documento “Lumen Gentium” (nº11): “Deste consórcio procede a família, onde nascem os novos cidadãos da sociedade humana, que pela graça do Espírito Santo se tornam filhos de Deus no batismo, para que o Povo de Deus se perpetue no decurso dos tempos”.
A responsabilidade não se esgota no ambiente doméstico, mas se abre a horizontes mais vastos. Para cumprir esses deveres é indispensável cultivar a dimensão divina do Sacramento do Matrimônio, recorrer constantemente à Penitência e à Eucaristia. Ela inclui a consciência da continuidade do poder criador, bem como a missão formadora dos futuros cristãos. Inclui ainda o efeito da analogia com a união entre Cristo e sua Igreja. Acresce a fecundidade decorrente de uma vida em comum – continuação do sacrifício redentor da Cruz. E a alegria que brota de exigências que se complementam é fruto da Ressurreição.

Nesse sentido, como bem expressa a Exortação Apostólica “Familiaris Consortio” (nº13): “Em virtude da sacramentalidade do seu matrimônio, os esposos estão vinculados um ao outro da maneira mais profundamente indissolúvel. A sua pertença recíproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma relação de Cristo com a Igreja. Os esposos são, portanto, para a Igreja, o chamamento permanente daquilo que aconteceu sobre a Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da qual o sacramento os faz participar”.
Uma tal concepção, para se expandir e atingir a plena realização, pede uma intercomunicação pessoal dos esposos entre si e com os filhos. A atmosfera impregnada do erotismo e busca do bem-estar particular se contrapõe a esse ideal cristão. Para resistir e vencer, faz-se imprescindível a ajuda do Senhor. A leitura da Palavra Sagrada e a prece, individual e comunitária, se tornam pilares para a preservação de um verdadeiro lar. E isso pode ser feito, mesmo quando não se obtém a anuência de todos, depois de uma prudente catequese em prol desse objetivo.
A presença, no ambiente doméstico, de um clima sobrenatural é uma semente de esperança. Infelizmente, cresce uma atmosfera malsã onde a permissividade, o sexo cada vez mais desprovido de seu verdadeiro significado, distorce o real sentido do amor. O consumismo corrói o significado pleno da Vida. A ânsia de uma liberdade sem limites se enfileira também entre as causas desse clima adverso.
Um esforço se impõe: o fortalecimento dos valores morais, uma ética que responda à vocação própria do homem. E a família cristã, mais que qualquer outra comunidade, pode aceitar e vencer esse desafio. Isso, entretanto, na medida em que a Igreja doméstica viver e irradiar o Evangelho de Jesus Cristo.


Dom Eugenio de Araujo Sales
Cardeal da Santa Igreja e Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro

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