quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Vivendo a Quaresma


A maledicência 

A inquietação, o desprezo do próximo e o orgulho são inseparáveis do juízo temerário e, entre os muitos efeitos perniciosos que deles se originam, ocupa o primeiro lugar a maledicência, que é a peste das conversas e palestras. Oh! Quisera ter uma daquelas brasas do altar sagrado para purificar os homens de suas iniquidades à imitação do serafim que purificou o profeta Isaías das suas, para que assim pudesse torná-lo digno de pregar a Palavra de Deus.

Certamente, se fosse possível tirar a maledicência do mundo , exterminar-se-ia a maior parte dos pecados.

Quem tira injustamente a boa fama ao seu próximo, além do pecado que comete, está obrigado à restituição inteira e proporcionada à natureza, qualidade e circunstâncias da detração ou fofoca, porque ninguém pode entrar no Céu com os bens alheios e, entre os bens exteriores, a fama e a honra são os mais preciosos e os mais caros. 

Três vidas diferentes temos nós: a vida espiritual, que a graça divina nos confere; a vida corporal, de que a alma é o princípio; e a vida social, que repousa os seus fundamentos na boa reputação. O pecado nos faz perder a primeira, a morte nos tira a segunda e a maledicência nos leva a terceira.

A maledicência é uma espécie de assassinato e o maldizente torna-se réu de um tríplice homicídio espiritual: o primeiro e o segundo diz respeito a sua alma e à alma da pessoa com quem se fala; e o terceiro com respeito à pessoa de quem se deturpa o bom nome. 

São Bernardo diz, por isso, que os que cometem a maledicência e os que a escutam tem o demônio no corpo; aqueles na língua e estes no ouvido, e Davi, falando dos maldizentes, diz: Aguçaram a sua língua como a das serpentes, querendo significar que, à semelhança da língua da serpente, que, como observa Aristóteles, tem duas pontas, sendo fendida no meio, também a língua do maldizente fere e envenena o coração daquele com quem está falando e a reputação daquele sobre quem se conversa.

Peço-te encarecidamente que nunca fales mal de ninguém, nem direta nem indiretamente. Guarda-te conscientemente de imputar falsos crimes ao próximo, de descobrir os ocultos, de aumentar os conhecidos, de interpretar mal as boas obras, de negar o bem que sabes que alguém possui na verdade ou de atenuá-lo por tuas palavras; tudo isso ofende muito a Deus, de modo particular o que encerra alguma mentira, contendo então sempre dois pecados: o de mentir e o de prejudicar o próximo.

Aqueles que para maldizer começam elogiando o próximo são ainda mais maliciosos e perigosos. Confirmo, dizem eles, que estimo muito a fulano, que, aliás, é um homem de bem, mas para dizer a verdade na teve razão em fazer isso e aquilo. Aquela moça é muito boa e virtuosa, mas deixou-se enganar. 

Não está vendo a astúcia? Quem quer disparar um arco puxa-o primeiro para si o quanto pode, mas é só para arremessá-lo com mais força, assim parece que o maldizente primeiro retira uma fofoca que já tinha na língua, mas faz isso somente para que lançando-a depois como uma flecha, com maior malícia, penetre mais profundamente nos corações. [...]

“Quem vigia sua boca e sua língua, preserva sua alma de grandes apertos.” (Provérbios 21,23)

“Ponde, Senhor, uma guarda em minha boca, uma sentinela à porta de meus lábios.” (Salmo 140,3)

Excerto da obra “Filotéia” de São Francisco de Sales, parte III, cap. XXIX, publicado no boletim paroquial “Voz da Rainha” – Pe. Renato Leite.


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