Tenho sete anos e quero apresentar-te a minha família. Este é o meu papá,
Dan; a minha mãe chama-se Tao, e este é o meu irmão Binh.
Gostava muito de saber alguma coisa da tua família e de quando eras
pequeno como eu...
SANTO PADRE: Obrigado, minha menina; e aos pais: o meu obrigado do
fundo do coração. Perguntaste quais e como são as lembranças da minha família.
Seriam tantas! Posso dizer apenas poucas coisas. O ponto essencial para nós,
para a família era o domingo, mas o domingo começava já no sábado de tarde.
O
pai dizia-nos quais eram as leituras, as leituras do domingo, lendo-as num livro
muito conhecido naquele tempo na Alemanha, onde se explicavam também os textos.
Assim começava o domingo: entrávamos já na liturgia, num clima de alegria. No
dia seguinte, íamos à Missa. A minha casa estava perto de Salzburgo, pelo que
havia muita música – Mozart, Schubert, Haydn – e, quando começava o
Kyrie, parecia o céu aberto.
Depois era importante o que se passava
em casa.
Naturalmente , o momento grande do almoço juntos. E também
cantávamos muito: o meu irmão é um grande músico; já, desde a adolescência,
fazia composições para todos nós, e assim toda a família cantava. O pai tocava
cítara e cantava. São momentos inesquecíveis. Além disso, claro, fizemos juntos
viagens, caminhadas; vivíamos perto dum bosque, e era muito bom caminhar nos
bosques: aventuras, jogos, etc. Numa palavra, formávamos um só coração e uma só
alma, com muitas experiências comuns, mesmo em tempos muito difíceis, porque era
o tempo da guerra, como antes fora o tempo da ditadura e, depois, o da pobreza.
Mas este amor mútuo que havia entre nós, esta alegria até por coisas simples era
forte, e assim conseguia-se superar e suportar também estas coisas. Parece-me
que isto era muito importante: mesmo coisas pequenas nos faziam felizes, porque
eram expressão do coração do outro. E assim crescemos na certeza de que é bom
ser uma pessoa humana, porque víamos que a bondade de Deus se reflectia nos pais
e nos irmãos.
E, verdade seja dita, quando procuro imaginar um pouco como vai
ser no Paraíso, sempre me parece que será como o tempo da minha juventude, da
minha infância. Como éramos felizes neste ambiente de confiança, alegria e amor,
penso que, no Paraíso, deveria ser semelhante à forma como era na minha
juventude. Neste sentido, espero voltar «a casa», quando passarei ao «outro
lado» da vida.
2. SERGE RAZAFINBONY E FARA ANDRIANOMBONANA (um par de noivos de Madagáscar):
SERGE: Santidade, somos Fara e Serge, e vimos de Madagáscar.
Conhecemo-nos em Florença, onde estamos a estudar – eu engenharia, e ela
economia. Iniciámos o noivado há quatro anos e sonhamos, logo que fizermos o
doutoramento, voltar ao nosso país para dar uma mão ao nosso povo, inclusive
através da nossa profissão.
FARA: Os modelos de família que predominam no Ocidente não nos
convencem, mas estamos cientes de que também muitos tradicionalismos da nossa
África precisam de ser em certa medida superados. Sentimo-nos feitos um para o
outro; por isso queremos casar e construir um futuro juntos. Queremos também que
cada aspecto da nossa vida seja orientado pelos valores do Evangelho.
Mas, falando de matrimónio… Santidade, há uma palavra que, mais do que
qualquer outra, nos atrai e ao mesmo tempo nos assusta: aquele «para
sempre»...
PAPA: Queridos amigos, obrigado por este testemunho! Contai com a
minha oração neste caminho do noivado e espero que possais criar, com os valores
do Evangelho, uma família «para sempre». A Fara aludiu a diversos tipos de
casamento: conhecemos o «mariage coutumier» da África e o casamento
ocidental.
Mesmo na Europa – verdade seja dita –, até ao século XIX, predominava
um modelo de casamento diverso do actual: muitas vezes o casamento era, na
realidade, um contrato entre clãs, no qual se procurava manter o clã, abri-lo ao
futuro, defender as propriedades, etc. A escolha dos noivos era feita pelo clã,
esperando que as coisas funcionassem um com o outro. E assim sucedia, em parte,
também nos nossos países; lembro-me duma cidadezinha, aonde fui à escola, que as
coisas ainda se passavam em grande parte assim.
Entretanto, com o século XIX,
vem a emancipação do indivíduo, a liberdade da pessoa… e o casamento já não se
baseia na vontade alheia, mas na própria escolha; começa-se pelo enamoramento,
passa-se ao noivado e depois ao casamento. Naquele tempo, estávamos todos
convencidos de que este fosse o único modelo certo e que o amor, por si mesmo,
garantisse o «sempre», já que o amor é absoluto, quer tudo e, consequentemente,
também a totalidade do tempo: é «para sempre». Infelizmente, não era assim a
realidade: vê-se que o enamoramento é lindo, mas talvez não sempre perpétuo, tal
como o sentimento que não permanece para sempre. Vê-se, pois, que a passagem do
enamoramento ao noivado e, depois, ao casamento requer várias decisões,
experiências interiores.
Como disse, é lindo este sentimento do amor, mas deve
ser purificado, deve seguir por um caminho de discernimento, isto é, devem
entrar também a razão e a vontade; devem unir-se razão, sentimento e vontade. No
rito do matrimónio, a Igreja não pergunta: «Está enamorado?» Mas: «Quer…», «Está
decidido…». Ou seja: o enamoramento deve tornar-se verdadeiro amor, envolvendo a
vontade e a razão num caminho – o caminho do noivado – de purificação, de maior
profundidade, de tal modo que realmente o homem inteiro, com todas as suas
capacidades, com o discernimento da razão, a força da vontade, possa dizer:
«Sim, esta é a minha vida».
Penso muitas vezes nas bodas de Caná. O primeiro
vinho deixou-os felicíssimos: é o enamoramento. Mas não dura até ao fim: deve
aparecer um segundo vinho, isto é, deve ferver e crescer, amadurecer. Um amor
definitivo que se torne realmente «segundo vinho» é mais lindo, é melhor do que
o primeiro vinho. E é isto que devemos procurar... Aqui é importante também que
o eu não fique isolado, o eu e o tu, mas que seja envolvida também a comunidade
da paróquia: a Igreja, os amigos… Tudo isto – a personalização plena e justa, a
comunhão de vida com os outros, com as famílias que se apoiam umas às outras – é
muito importante e só assim, neste envolvimento da comunidade, dos amigos, da
Igreja, da fé, do próprio Deus é que cresce um vinho que dura para sempre.
Muitas felicidades para ambos!
3. FAMÍLIA PALEOLOGOS (família grega)
NIKOS: Boa noite! Somos a família Paleologos. Vimos de Atenas.
Chamo-me Nikos, e ela é a minha esposa Pania. Estes são os nossos dois filhos:
Pavlos e Lydia.
Há alguns anos, juntamente com mais dois sócios e investindo tudo o que
tínhamos, começámos uma pequena sociedade de informática.
Com a chegada da duríssima crise económica actual, os clientes diminuíram
drasticamente e os que ficaram adiam cada vez mais os pagamentos. Mal
conseguimos pagar os salários dos dois trabalhadores que temos, ficando
pouquíssimo para nós, os sócios. Assim, à medida que passam os dias, vai havendo
cada vez menos para manter as nossas famílias. A nossa situação é apenas uma
dentre muitas, uma entre milhões de outras. Na cidade, as pessoas caminham de
cabeça baixa; e já ninguém tem confiança em ninguém, falta a esperança.
PANIA: Mesmo nós, embora continuando a acreditar na providência, temos
dificuldade em imaginar um futuro para os nossos filhos.
Há dias e noites em que nos perguntamos, Santo Padre, como fazer para não
perder a esperança. Que pode a Igreja dizer a toda esta gente, a estas pessoas e
famílias sem qualquer perspectiva?
SANTO PADRE: Queridos amigos, obrigado por este testemunho que tocou o
meu coração e o coração de todos nós. Que podemos responder? Não bastam as
palavras; temos de fazer algo de concreto e todos nós sofremos pelo facto de
sermos incapazes de fazer algo de concreto. Comecemos pela política: parece-me
que deveria crescer o sentido da responsabilidade em todos os partidos. Não
prometam coisas que não podem realizar; não se limitem a procurar votos para si,
mas sintam-se responsáveis pelo bem de todos.
Que se perceba que política é
sempre também responsabilidade humana, moral diante de Deus e dos homens.
Depois, naturalmente, temos os indivíduos que sofrem e – muitas vezes sem
possibilidade de se defenderem – vêem-se obrigados a aceitar a situação como ela
é. Mas aqui podemos também dizer: cada um procure fazer tudo o que lhe é
possível, pense em si, na família, nos outros, com um grande sentido de
responsabilidade, sabendo que os sacrifícios são necessários para avançar.
Terceiro ponto: Que podemos fazer nós? Esta é a minha questão, neste momento.
Creio que talvez pudessem ajudar as geminações entre cidades, entre famílias,
entre paróquias… Agora, na Europa, temos uma rede de geminações, mas trata-se de
intercâmbios culturais – sem dúvida, muito bons e muito úteis –, quando talvez
haja necessidade de geminações noutro sentido: que realmente uma família do
Ocidente, da Itália, da Alemanha, da França... assuma a responsabilidade de
ajudar outra família. E o mesmo se diga das paróquias, das cidades: que assumam
responsabilidades reais, ajudem concretamente.
E podeis estar certos! Eu e
muitos outros rezamos por vós, e esta oração não é só dizer palavras, mas abre o
coração a Deus e assim gera também criatividade na busca de soluções. Esperamos
que o Senhor vos ajude, que o Senhor vos ajude sempre! Obrigado!
4. FAMÍLIA RERRIE (família dos Estados Unidos)
JAY: Vivemos perto de Nova York.
Meu nome é Jay, sou de origem jamaicana e trabalho em contabilidade.
Esta é a minha esposa Ana e é professora de apoio.
E estes são os nossos seis filhos, cujas idades variam de
2 a 12
anos. A partir disto, bem pode imaginar, Santo Padre, como a nossa vida é feita
de incessantes corridas contra o tempo, de ânsias, de arranjos muito
complicados...
Também lá, nos Estados Unidos, uma das prioridades absolutas é manter o
emprego e, para o conseguir, é preciso não olhar a horários… E muitas vezes quem
padece são precisamente as relações familiares.
ANA: É verdade! Nem sempre é fácil... Santidade, tem-se a impressão de
que as instituições e as empresas não facilitam a conciliação dos tempos de
trabalho com os tempos da família.
Imaginamos que também não seja fácil, para Vossa Santidade, conciliar os seus
compromissos sem fim com o repouso.
Pode dar-nos qualquer conselho para nos ajudar a encontrar esta harmonia
tão necessária? No turbilhão de tantos estímulos impostos pela sociedade actual,
como ajudar as famílias a viverem a festa segundo o coração de Deus?
SANTO PADRE: Ótima pergunta, e acho que entendo este dilema entre
duas prioridades: a prioridade do emprego, que é crucial, e a prioridade da
família; mas como conciliar as duas prioridades? Posso somente tentar dar algum
conselho. Primeiro ponto: há empresas que de certo modo permitem qualquer
extra para a família – o dia do aniversário, etc. –, tendo concluído que
dar um pouco de liberdade, no fim de contas, favorece a própria empresa, porque
reforça o amor ao trabalho, ao emprego.
Por isso, gostava de convidar os
empregadores a pensarem na família, a darem uma mão também para que se possam
conciliar as duas prioridades. Segundo ponto: parece-me que é preciso,
naturalmente, cultivar uma certa criatividade – o que nem sempre é fácil!
Mas
pelo menos tentemos, em cada dia, trazer qualquer elemento de alegria à família,
uma atençãozinha, alguma renúncia à vontade própria para estar com a família, e
aceitar e superar as noites, as trevas de que já falámos antes, e pensar a este
grande bem que é a família e assim, na grande solicitude de dar algo de bom cada
dia, encontrar também uma conciliação das duas prioridades. E, finalmente, temos
o domingo, a festa! Espero que se respeite, na América, o domingo.
É que me
parece muito importante o domingo, dia do Senhor e, precisamente como tal,
também «dia do homem», para que sejamos livres. Segundo a narração da criação, a
intenção originária do Criador era esta: um dia em que todos sejam livres.
Nesta
possibilidade de um ser livre para o outro, para si mesmo, é-se livre para Deus.
E assim penso que defendemos a liberdade do homem, defendendo o domingo e os
dias festivos como dias de Deus e, deste modo, dias para o homem. Muitas
felicidades para vós todos! Obrigado!
5. FAMÍLIA ARAÚJO (família brasileira de Porto Alegre)
MARIA MARTA: Santidade, no nosso Brasil, como aliás no resto do mundo,
continuam a aumentar as falências matrimoniais.
Chamo-me Maria Marta, ele é Manoel Ângelo. Estamos casados há 34 anos e já
somos avós. Na qualidade de médico e psicoterapeuta familiares, encontramos
muitas famílias, notando nos conflitos de casal uma dificuldade mais acentuada
de perdoar e de aceitar o perdão, mas em vários casos constatámos o desejo e a
vontade de construir uma nova união, algo duradouro, mesmo para os filhos que
nascem da nova união.
MANOEL ÂNGELO: Alguns destes casais re-casados teriam vontade de
aproximar-se da Igreja, mas, quando vêm negar-lhes os Sacramentos, a sua
decepção é grande. Sentem-se excluídos, marcados por um juízo sem apelo.
Estas grandes penas magoam profundamente aqueles que nelas estão envolvidos;
são lacerações que se tornam também parte do mundo, são feridas também nossas e
da humanidade inteira.
Santo Padre, sabemos que a Igreja leva no seu coração estas situações e
estas pessoas: que palavras e que sinais de esperança lhes podemos dar?
SANTO PADRE: Queridos amigos, obrigado pelo vosso trabalho de
psicoterapeutas a favor das famílias, muito necessário. Obrigado por tudo o que
fazeis para ajudar estas pessoas que sofrem. Na verdade, este problema dos
divorciados re-casados é um dos grandes sofrimentos da Igreja actual. E não
temos receitas simples.
O sofrimento é grande, podendo apenas animar as
paróquias, os indivíduos a ajudar estas pessoas a suportarem o sofrimento deste
divórcio. Digo que é muito importante, naturalmente, a prevenção, isto é,
aprofundar desde o início o enamoramento numa decisão profunda, amadurecida;
além disso, o acompanhamento durante o matrimónio, de modo que as famílias nunca
se sintam sozinhas, mas sejam realmente acompanhadas no seu caminho.
Depois,
quanto a estas pessoas, devemos dizer – como o Manoel afirmou – que a Igreja as
ama, mas elas devem ver e sentir este amor. Considero grande tarefa duma
paróquia, duma comunidade católica, fazer todo o possível para que elas sintam
que são amadas, acolhidas, que não estão «fora», apesar de não poderem receber a
absolvição nem a Comunhão: devem ver que mesmo assim vivem plenamente na Igreja.
Mesmo se não é possível a absolvição na Confissão, não deixa talvez de ser muito
importante um contacto permanente com um sacerdote, com um director espiritual,
para que possam ver que são acompanhadas, guiadas. Além disso, é muito
importante também que sintam que a Eucaristia é verdadeira e participam nela se
realmente entram em comunhão com o Corpo de Cristo.
Mesmo sem a recepção
«corporal» do Sacramento, podemos estar, espiritualmente, unidos a Cristo no seu
Corpo. É importante fazer compreender isto. Oxalá encontrem a possibilidade real
de viver uma vida de fé, com a Palavra de Deus, com a comunhão da Igreja, e
possam ver que o seu sofrimento é um dom para a Igreja, porque deste modo estão
ao serviço de todos mesmo para defender a estabilidade do amor, do Matrimónio; e
que este sofrimento não é só um tormento físico e psíquico, mas também um sofrer
na comunidade da Igreja pelos grandes valores da nossa fé.
Penso que o seu
sofrimento, se realmente aceite interiormente, seja um dom para a Igreja. Devem
saber que precisamente assim servem a Igreja, estão no coração da Igreja.
Obrigado pelo vosso compromisso!
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